Antonio Pereira Sousa

"Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas." (Carlos Drummond de Andrade)

Textos

A História e a Literatura na Carta de Caminha
 
 
Pero Vaz de Caminha (1450-1500), em 1º de maio de 1500, comunicou ao rei D. Manuel I (1469-1521) o achamento de novas terras ao oeste da África. Esta carta é um dos primeiros registros históricos do espaço geográfico que mais tarde transformou-se neste nosso Brasil varonil, para usar a expressão de nosso Hino da Independência:
 
Parabéns, ó brasileiro,
Já, com garbo varonil,
Do universo entre as nações
Resplandece a do Brasil.
 
Será que tudo que é narrado na carta de Caminha é produto fatual ou faz parte da mente fantasiosa de Caminha? A carta de caminha é história ou literatura?
A história é uma narrativa com base em documentos e a literatura é uma narrativa sem necessidade de comprovação. A história fala sobre aquilo que foi e a literatura diz sobre aquilo que poderia ter sido. Ambas as narrativas contribuem para o conhecimento do homem e de seu mundo, revelam o seu cotidiano e configuram sua alma em feições e tons múltiplos.
A Carta de Caminha redigida no início do século XIV carrega a esperança e a imagem daquele tempo. Esperança de alargamento do território para domínio de novas riquezas, mas esperança regulada por um princípio mercantilista, cujo objetivo era buscar o máximo possível de desenvolvimento econômico através do acúmulo de riquezas. Quanto maior a quantidade de riquezas de um rei, maior seria o seu prestígio, poder e respeito internacional.
A procura de riquezas foi a maior razão para a expansão marítima portuguesa. Expansão esta narrada pelo poeta lusitano Luis Vaz de Camões (1525-1580), em seu Os Lusíadas, que, em sua primeira estrofe, expressa:
 
As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca dantes navegados,
.........................................................

 
Mares que foram vencidos pela esquadra comandada pelo navegador Pedro Álvares Cabral (1467-1520), que aportou nas terras brasílicas em 22 de abril de 1500, como descreve Caminha:
 
Neste dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! Primeiramente dum grande monte, mui alto e redondo; e doutras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos: ao monte alto o capitão pôs nome — o Monte Pascoal e à terra — a Terra da Vera Cruz.
 
Nesse registro, a presença de elementos de história fica confirmada pelo documento relevante bem conhecido atualmente: [...] dum grande monte, mui alto e redondo [...].
Noutro instante, Caminha faz história de sua carta ao afirmar que:
 
[...] ao chegar o batel à boca do rio, já ali havia dezoito ou vinte homens. Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas... Ali não pôde deles haver fala, nem entendimento de proveito.
 
De fato, Cabral encontrou aqui homens vivendo organizados em tribos com seus costumes inteiramente diversos daqueles dos portugueses, o que causou estranheza para Caminha: Ali por então não houve mais fala ou entendimento com eles, por a barbaria deles ser tamanha, que se não entendia nem ouvia ninguém.
A carta de Caminha é mesmo documento da história brasileira, mas documento redigido sem os compromissos de historiador, por isso a presença livre dos devaneios permitidos à narrativa literária:
 
A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes, benfeitos. Andam nus, sem nenhuma cobertura. Nem estimam de cobrir ou de mostrar suas vergonhas; e nisso têm tanta inocência como em mostrar o rosto.
 
Caminha com sua carta fez o registro do nascimento da história brasileira. O modo como ele a escreveu, apresentando detalhes como que pintando um quadro, a mostrar um paraíso sem dores e sofrimentos, realizou, também, o nascimento da literatura brasileira: Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem.
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 20/08/2018
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